Um passo importante para que o cuidado com os filhos pese também na balança da Justiça.
O presente artigo analisa uma recente decisão judicial que reconhece a ausência paterna e a sobrecarga materna como critérios relevantes para a fixação e revisão da pensão alimentícia. Trata-se de um avanço importante na valorização do trabalho de cuidado, que recai, de forma histórica e desproporcional, sobre as mulheres. Essa decisão abre caminho para uma abordagem mais justa nas relações parentais, com impactos concretos no direito alimentar.
A divisão desigual das responsabilidades com os filhos é uma realidade conhecida por muitas mulheres e confirmada por diversos estudos, mas ainda pouco refletida nas decisões judiciais. Em abril de 2025, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu esse desequilíbrio ao considerar a ausência do pai na rotina dos filhos como justificativa para aumentar o valor da pensão alimentícia paga à mãe.
No caso concreto, a mãe, que cuida sozinha da rotina dos filhos, pediu judicialmente a majoração da pensão. O juiz entendeu que a ausência do pai nas tarefas diárias, somada à carga física, emocional e financeira suportada pela mãe, deveria ser considerada no cálculo da pensão. A decisão reconheceu o impacto real dessa sobrecarga na vida das mulheres, especialmente quando falamos da autonomia econômica, tão comprometida nesse contexto.
O chamado trabalho de cuidado inclui atividades como alimentação, higiene, educação, acompanhamento médico e apoio escolar. Embora não remunerado, esse trabalho é essencial para o funcionamento da família. Segundo a Agência Brasil, em levantamento de 2024, a sobrecarga materna compromete em até 32,4% a permanência das mães solo no mercado de trabalho. Ainda assim, ele continua invisível no sistema jurídico. Valorizar esse trabalho dentro das decisões de pensão alimentícia é um passo importante para fazer justiça às mulheres que sustentam os filhos sozinhas, não só financeiramente, mas com tempo, energia e saúde emocional.
A inclusão desse fator na análise da pensão alimentícia traz implicações relevantes. Permite que o valor seja revisto quando há ausência paterna na prática da coparentalidade. Reforça a necessidade de ambos os genitores assumirem não só o custeio financeiro, mas também o envolvimento afetivo e prático com os filhos. E contribui para romper o ciclo de empobrecimento das mães solo, que muitas vezes abrem mão de trabalho, estudo ou oportunidades para garantir o bem-estar das crianças.
Estudos da OIT e do IBGE mostram que o trabalho doméstico não remunerado representa cerca de 15,7% do PIB nacional. Quando as decisões judiciais passam a considerar esse dado, avançamos em termos de justiça social e de equidade de gênero.
Apesar da importância dessa decisão, ela ainda é exceção. Muitos tribunais não aplicam esse entendimento, e ainda faltam critérios objetivos para mensurar a sobrecarga enfrentada pelas mães. Além disso, há um desafio estrutural: por que os homens não são ensinados desde cedo a exercer o trabalho de cuidado? Ser pai envolve responsabilidades que não podem ser terceirizadas. Se não aprenderam antes, podem e devem aprender agora. Assumir o cuidado dos filhos é parte da vida adulta, não uma virtude. O que precisa ser normalizado é o pai presente, não o ausente.
A decisão do TJSP rompe com a ideia ultrapassada de que a mãe cuida e o pai contribui financeiramente. Ela sinaliza um novo paradigma, que reconhece o cuidado como trabalho e a maternidade solitária como uma violação da corresponsabilidade parental. Ao reconhecer esse cenário como fator determinante no cálculo da pensão, o Judiciário dá um passo necessário e corajoso para aproximar o direito da realidade vivida por tantas mulheres.